segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Os arrolamentos republicanos dos bens paroquiais do concelho de Vila do Conde


Recentemente tomámos conhecimento dos arrolamentos republicanos dos bens paroquiais de Vila do Conde que se guardam no Arquivo Municipal. Foram feitos em finais de 1911 e princípios de 1912 sob supervisão do administrador, que ao menos em parte deles era o brasileiro Francisco Baltazar do Couto. Sabemos bem que a intenção desses arrolamentos era a pior, mas hoje eles tornam-se documentos históricos úteis: estão bem estruturados, têm boa apresentação e dão-nos uma ideia bastante precisa dos bens que cada paróquia possuía, que nas mais das vezes eram muito humildes.
Para se fazer uma ideia da pressão republicana então exercida contra a Igreja, veja-se a notícia que copiámos daqui:

Outeiro, Vila do Conde, 2/8/1911

Realizou-se no domingo passado a festividade do Coração de Jesus, precedida de práticas preparatórias feitas pelo novel orador sagrado Adelino Anselmo de Matos, pároco de Curvos, Esposende, que muito agradou e tirou abundante fruto, não obstante ter sido chamado à última hora.
De manhã houve comunhão geral, distribuindo-se o Pão dos Anjos a umas trezentas pessoas.
De tarde realizou-se uma procissão em honra do SS. Sacramento, promovida por um grupo de devotos e que este ano quiseram cooperar com a Associação do Coração de Jesus, revestindo a festa mais solenidade em virtude de se ter levantado um novo e lindo cruzeiro oferecido à freguesia por um grupo de briosos rapazes que daqui foram para o Brasil e que, entregues ao labutar constante da vida, não se esqueceram da sua terra natal nem da sua fé.
À frente da procissão ia uma bandeira que, pela sua frente, em puro veludo de sedas, ostenta os emblemas do Coração de Jesus, circundados por um ramo a ouro, entrelaçado por uma fita a matiz, rematando tudo em uma espécie de dossel, que produz um efeito surpreendente. Do lado oposto, encontra-se, também bordado a ouro, o emblema JHS, tendo ao fundo um ramo a matiz de belo gosto, e ao cimo a palavra “particular”, em semicírculo.
Como que a pôr um embargo à alegria que todos sentiam no meio de tão linda e religiosa festividade, por ser a única que agrada e consola o coração do verdadeiro cristão e está no ânimo de todos os habitantes desta freguesia, apareceu um ofício do cidadão Administrador do Concelho de Vila do Conde, com a nota de “urgente”, que ao conhecer-se produziu o efeito de um frigidíssimo duche. Dizia assim:

Tendo conhecimento de que nessa freguesia se costuma anualmente fazer umas práticas e confissões, sob a denominação de Coração de Jesus, tenho a dizer-lhe que tais práticas são proibidas e punidas por lei. Queira pois não consentir e participar-me, caso não sejam acatadas as minhas ordens.
Saúde fraternidade.
Ao cidadão regedor da freguesia de Outeiro.
Vila do Conde, 27 de Julho de 1911.
O Administrador do Concelho – Luís da Silva Neves.

Está claro que se a autoridade da freguesia – o Sr. António Gonçalves de Azevedo – não fosse um cavalheiro prudente, um católico prático a quem agradam sobremaneira os actos da nossa santa religião, na qual se esmera por educar toda a sua família, este ofício viria privar este bom povo da sua querida festa, contristando-o e talvez exaltando-o. Felizmente tudo se fez sem o mais pequeno incidente e no meio da mais franca alegria. – P. A.

(Informação saída no jornal O Poveiro, da Póvoa de Varzim, em 10/8/1911)

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